Rádio do vovô

Tudo que use o abandono por dentro e por fora

Uma história para ela


A minha vizinha é triste. Triste e sozinha. Nunca a vi sorrir, nem dar bom dia, nem boa noite. A janela de sua casa está sempre fechada. Ali não entra sol. O verão ali não chegou. Imagino-a entre móveis escuros e antigos, mais antigos que ela, e fotos em preto e branco de pessoas que já não existem. Talvez ela tenha um baú onde guarde o xalé que sua mãe usava. Talvez ela não tenha nada, nem baú, nem memórias.

Queria escrever uma história qualquer, talvez engraçada, um conto de amor, quem sabe, que a fizesse lembrar de quando era uma menina pequena com dentes de leite e minissaia rosada. Sua mãe tinha que gritar da janela que o almoço estava na mesa, a menina pulava o cercado da casa e se escondia atrás da goiabeira. A mãe vinha atrás e a menina dava um susto nela. "Buuu!", e a mãe dava a risada mais gostosa do mundo. "Mas você, hein, minha filha... Você vai ser poeta!", a mãe falava, mas a menina não sabia o que era isso. Vivia assim, entre os bichinhos do mato rastejantes, e amava o canto do grilo mais do que o das cigarras. As estrelas eram o seu brinquedo, no tempo em que não havia televisão. Criança brincava na rua, pés descalços, corpos ao vento. No tempo do ronca era assim.

Para onde foi aquela menina descalça e banguela, meu Deus? Queria escrever uma história que fizesse minha vizinha cantar. Eu colocaria a história num envelope, deixaria-o embaixo da porta, tocaria a campainha e sairia correndo. E, da janela, ao ouvir uma voz doce de mulher a cantar, eu saberia que é ela, a minha vizinha, sorrindo de pura alegria, reencontrando a menina linda que foi. E ela abriria a janela sempre fechada, e o sol entraria na casa, e eu não precisaria escrever mais nada.

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