Rádio do vovô

Tudo que use o abandono por dentro e por fora

Infância


Naquele tempo, lugar de tênis velho era nos fios dos postes da rua. A gente amarrava um cadarço ao outro e jogava pro alto: às vezes errávamos o alvo e o tênis caía em cima de um carro, caía no telhado da Dona Xica. Naquele tempo, menino entrava no banheiro das meninas pra dar beijinho na boca escondido. Tinha que correr, antes que a Tia Cláudia chegasse. Tinha menina que gritava, tinha menina que gostava. Era o tempo em que menino fazia judô e menina fazia balé (bem, ainda hoje é assim), mas o Andrézinho queria fazer balé, só pra ficar mais perto da Adriana. Ai, Adriana... Naquele tempo, a Daniela, que era "mais grande", batia na gente e a gente chorava. A Tia Beth, professora do 3° ano (meu Deus!, do 3° aninho), dava cola pros alunos na hora da prova, vejam só, no tempo em que estudávamos Educação e Cidadania. As meninas, quando sentavam, às vezes deixavam o cofrinho aparecer, e a gente ria. A Sylia era apaixonada por mim, eu, pela Renata, a Renata pelo Adriano e o Adriano pela professora. O Ricardo era meu melhor amigo. Ele era do meio de campo, eu era do ataque. Na escola eu era craque, na rua era pereba. Ora, o que é isso aqui na minha carteira? Um bilhetinho, veja só! "Quer namorar comigo?". Ai ai. Eu sabia, eu sabia! No escurinho do cinema: smack, gostou?, gostei, e você?, eu também, hehe, quero outro, smack, gosto de você pra caramba. Ninguém sabia de nada. O problema era a Irmã Margarida, o terror da escola. Nenhum misto quente era melhor que o da cantina do Ivo, talvez porque a gente esperasse o recreio desde o início das aulas, que começavam sempre com uma das freiras ou dos alunos puxando o Pai Nosso e a Ave Maria. No tempo do "Deus castiga"... Essa gente toda, meu Deus, para onde foi? Cadê a Tia Beth que não dá mais cola, o Ricardo que não está mais no meio de campo, a Dona Xica rabugenta, o Andrézinho falando da Adriana? Aquelas meninas do banheiro, o que aconteceu com elas? Onde estão todos, que já não vejo há tantos anos? Naquele tempo, a vida era outra coisa. Éramos crianças e o mundo era um parque de diversões. A vida era um brinquedo, no tempo em que a gente jogava sapato pro céu. No tempo em que o tempo ainda não existia.

4 comentários:

Carol Jardim disse...

ooohhhhwwwmm! amei!!!

Carleto Gaspar 1797 disse...

é verdade

onde foi parar todo mundo??




como é que em vinte anos o mundo muda tanto...

Anônimo disse...

Belo como o teu sorriso, doce Caio.

Anônimo disse...

Sabe, essa história é a minha infância... Eu também um menino banguela que entrava escondido no banheiro das meninas. Haha.
Que saudade... Abração, Caico!
Jorge